DA BESTE OF

Este blog é um "Best Of" do que foi publicado originalmente no Citizen Zuko. (www.citizenzuko.bogs.sapo.pt)

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domingo, dezembro 31, 2006

Patricia

Ela era loura e tinha uns olhos em amêndoa, que lhe dava um ar selvagem.

Ela andava noutra turma e já nem me lembro como é que reparei nela... Rebuscando nas memórias acho que é capaz de ter sido no refeitório. Também uma pessoa com 12 anos ainda não sabe reter aquilo que vai ser importante. Eu estava no 2º ano da Preparatória e estava muito bem!

Pela primeira vez gostava de ir à escola, que era um sitio arejado, amplo, moderno e não aquele edifício escuro e labiríntico, quase Hogwarthiano, que era a Voz do Operário.

A Eugênio dos Santos era completamente diferente! Foi aí que tive os meus primeiros amigos, daqueles que nos escolhem para os trabalhos de grupo, mesmo quando nós ficamos, de propósito, quietinhos no nosso canto. Daqueles que nos convidam para as festas de anos (mas não iam às minhas... Fazer anos em Agosto é lixado!) Daqueles que nós, na nossa ingenuidade de 12 anos, acreditamos de vamos ter para toda a vida.

Também foi aqui que comecei a conviver com raparigas. Até então tinha feito toda a primária em turmas só de rapazes (Obrigado, Estado Novo!...) Na Preparatória descobri que havia outras raparigas para além da vizinha do lado ou da ocasional irmã do pessoal lá da rua.

A minha primeira impressão é que elas tinham uma letra esquisita, assim redondinha e muito certinha e todas tinham a mesma letra que escreviam nos mesmo cadernos cor-de-rosa ou às florzinhas. Para além disso gritavam muito, eram aplicadas nas aulas e não jogavam à bola, apesar de andarem em bando como nós.

Mas eram giras...

Eram tremendamente giras com aqueles cabelos compridos e uns olhos completamente diferentes dos nossos.

Como os da Patrícia... A Patrícia... Passei o ano lectivo todo a adorá-la de longe. Nunca lhe falei, apesar de o ter podido fazer em duas ou três ocasiões.

Descobri-lhe o nome através de um colega que tinha um amigo na turma dela, mas nem mesmo assim arranjei coragem para lhe falar. E se a tivesse diria o quê? Por isso limitava-me a adorá-la de longe.

A dada altura a coisa passou a ser tão óbvia que já a escola toda sabia e ela passou a olhar para mim. Ás vezes ria-se ou sorria, o que me fazia disparar o coração a mil à hora, como quando eu ia apanhar uma bola que tinha ido parar (nem sempre por acaso...) mais ao pé dela.

No último dia de aulas, ao sair do portão, um amigo disse-me:
- Agora nunca mais a vês...
- Pois não! – disse eu sem olhar para trás.

Passados dez, talvez doze anos estava eu a passear no calçadão da Costa da Caparica, no meio da multidão que ia ou vinha da praia e vejo-a. Apesar do tempo passado, reconheci-a imediatamente e novamente o meu coração disparou. Um minuto depois ela já tinha desaparecido. Paralisado, também não lhe disse nada.

Foi nesse dia que aprendi que, apesar do tempo não voltar para trás, a vida dá-nos sempre uma segunda oportunidade. Se a agarramos ou não, já é outra coisa.

(Publicado em Junho de 2006)